domingo, 28 de agosto de 2011

"O Acaso do Quadril”







     Em minha rotina profissional, ao longo destes quase 16 anos de atendimentos, venho encontrando, frequentemente, várias disfunções articulares do quadril. Elas ocorrem por vários motivos, quer seja por hipomobilidades, hipermobilidades ou rigidez total, elevando, assim, minhas observações estatísticas, para diferentes idades ou sexo de pessoas, sobre as inúmeras dores e desconfortos desta articulação.

     O quadril é uma estrutura óssea que se articula com o sacro (considerado o eixo mecânico da coluna) e com o fêmur (o maior osso do corpo humano). Sob tal complexidade biomecânica será promovida a mobilidade e flexibilidade do corpo e, principalmente, das pernas.

     Problemas mecânicos desta região irão comprometer diretamente o sistema de equilíbrio locomotor da marcha e suas conectividades neurovegetativas e vasculares, podendo manifestar-se via o sistema digestivo, particularmente intestinos delgado e grosso (constipação e formação de gases), e/ou também via o sistema renal (osteopenia e osteoporose).

     Em minha opinião, esta articulação representa o eixo básico do nosso mundo relacional, a disposição para estabelecer nossas bases de sustentação na vida e manter a segurança e o auto-apoio. Não é por acaso que a mulher, durante a gravidez, ajusta os quadris para assentar seu bebê, e o ser humano coloca seu eixo de apoio nesta região, para dar um passo a frente.

     Os problemas do quadril sejam dores, tensões, bloqueios, artroses e etc..., nos mostram que atravessamos uma situação em que nossas “bases”, nossas crenças mais profundas, estão sendo recolocadas em questão. Transitamos, assim, sob a sombra da insegurança econômica ou afetiva, os abalos familiares, a sensação de abandono e da traição, sejam elas realizadas por nós ou pelos outros.

       Tenho em mente um caso em particular: o de uma pessoa, que chamarei “M”, e que me veio consultar a respeito de uma artrose no quadril esquerdo. Depois de deixá-la falar sobre seu sofrimento mecânico, eu a conduzi ao fundo do problema, e a me falar um pouco a respeito da sua vida profissional. “M” relatou que estava hoje aposentada e que trabalhou, durante 25 anos, como secretária, em uma determinada empresa, sendo demitida sem maiores explicações e justificativas. Como não conseguiu uma recolocação no mercado de trabalho, recorreu a uma precoce aposentadoria, muito a contragosto. Disse, ainda, que não se sentia preparada economicamente e nem emocionalmente para tais circunstâncias.

     Eu fui explicando progressivamente a “M” que existia uma correlação metafísica de sua vivência na experiência profissional com o bloqueio articular do quadril. Apesar da surpresa, “M” confidenciou-me que também desconfiava desta relação, e que nada era por acaso, porque durante muito tempo alimentou um sentimento de abandono e traição decorrente do seu afastamento. Foram necessárias varias sessões de reprogramação neuro-muscular para liberar os bloqueios cognitivos daquela região e restabelecer o fluxo energético do quadril.

     Recentemente, num outro caso, atendi “L”, um jovem de 18 anos de idade que estava de férias e de passagem pelo Rio de Janeiro. “L” apresentava um bloqueio funcional importante no quadril direito, e apesar de ainda muito jovem, já sofria inúmeras restrições físicas e pessoais. “L” carrega, dentro de si, uma história de conflito familiar importante. Seus pais se separaram quando “L” tinha apenas 4 anos de idade. Sua relação com a referência paterna se perdera com o decorrer do tempo, devido à omissão de seu pai. Há cerca de 3 anos, sua mãe faleceu, e “L” foi morar com o pai. Segundo me confidenciou, sua relação familiar estava péssima e, por trás de uma aparente timidez, existia uma grande dose de tristeza. “L” não se ajustava à situação e escondia-se sob a capa do silêncio.

     Durante ao atendimento, apresentei-lhe a dinâmica da sensação da dupla traição e do abandono que seu quadril manifestava, alimentado ainda pelo sentimento da perda materna. Ocorre que ele não podia compreender todo o significado inconsciente do que estava acontecendo, por ser ainda de pouca idade. Após o término da consulta, acompanhei-o até a recepção da clínica, aonde seu pai o aguardava. Para minha surpresa, testemunhei um aperto de mão e um abraço meio “sem jeito” de ambas as partes. Pude assim perceber, mais uma vez, na minha vida, que o acaso não existe.

     Eu digo que, hoje, talvez eles possam estar com um relacionamento melhor, pois nem sempre estamos prontos para entender alguns acasos da vida. Quando, porém, fazemos contato com nossas angústias profundas, nosso Eu interior passa a adotar o chamado livre-arbítrio, para alinhar nossos passos, nossos eixos e nossas expectativas diante da vida.

“O importante não é o que se conhece, mas o que se pode fazer com o conhecimento”.

2 comentários:

  1. Adorei!!! Parabéns pelo seu trabalho. Abraço

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  2. Ótima reflexão.
    Parafraseando Sartre, rsrs, " O importante não é o que fizeram ao homem, mas o que o homem faz com o que fizeram dele."
    Definitivamente, apenas saber o "porquê" das coisas não é suficiente, e muitas vezes aumenta a dor. Isso fala muito da "queda" de abordagens explicativas da psique humana.
    Viva Gestalt! rs
    Ótimo dia Dr. Sérgio.
    Abs Letícia Menescal

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